20 fevereiro 2013

Les Miserables (2012)

"Você ouve o que as pessoas cantam? 
Cantando o som dos homens raivosos?
Essa é a música de um povo que não será escravo novamente!"




Victor Hugo fez obra para todas as gerações. Conhecer Os Miseráveis é perceber que os conceitos de justiça pouco mudaram com o passar dos tempos. O escritor, em uma de suas obras mais famosas, denuncia a situação de total miséria existente na França de 1815 a 1832, com uma superpopulação de pobres e marginalizados vivendo à mercê de uns poucos ricos detentores do poder. Nesse momento histórico, ser revolucionário era buscar o fim de um governo absolutista, que persistiu mesmo após a Revolução Francesa. E com escritos que ressaltavam a voz do povo, convocavam à mobilização popular e à revolução, ele fez sua obra, ainda tão presente nos dias atuais. Afinal, não é anacrônica a ideia de um homem passar anos preso por ter roubado um pão para alimentar a família.


Trazer tal obra para as novas gerações de uma forma comprometida não me parece tarefa fácil. Foi o que pretendeu fazer Tom Hooper (O Discurso do Rei). E, após dezenas de outras adaptações para o teatro, TV e cinema, o diretor faz uma versão de Os Miseráveis em musical. E que ganho de quem tem a oportunidade de ver tão rico roteiro nas telas do cinema. O diretor se utiliza bem da modernidade cinematográfica para fazer um épico, com belíssimos figurinos, um ar noturno, que remonta à uma época de pobreza, miséria e batalhas perdidas. Apesar de se utilizar de jovens atores, não perde a seriedade da trama. Mas vale dizer que também optou por dar mais leveza e otimismo a uma história tão trágica e denuncista. Tal leveza não é reprovável, mas demonstrou sua pouca preocupação com o marcante e relevante apego social da obra literária.
                                     




Jean Valjean (Hugh Jackman) está saindo da prisão, para liberdade condicional, após 19 anos se submetendo a trabalhos forçados por ter roubado um pão para dar pra sua irmã (a pena foi aumentada por inúmeras tentativas de fuga). Mas, em seu encalço, ficou o detentor maior da ordem e justiça, o inspetor Javert (Russel Crowe). Ao ser oprimido por todos, por ter o "carimbo" de ex-presidiário, não tem nem mesmo onde dormir. Após tantas andanças, conhece um piedoso bispo, que lhe oferece comida e abrigo. No entanto, tenta roubar as pratarias do senhor que lhe ajudou, e é preso e levado de volta ao religioso, que desmente o crime e diz que foi um presente. Após tal piedade, sua vida muda. Volta à cidade com outro nome, outra aparência, torna-se filantropo e empresário.

Em paralelo, nos é apresentada Fantine (Anne Hathaway), mãe solteira que trabalha para sustentar sua filha Cosette (Amanda Seyfried), após ser abandonada pelo pai da criança. Mas, de forma injusta, é demitida por ter uma filha bastarda e se vê obrigada a se prostituir para conseguir dinheiro para sobreviver e criá-la. Ao saber de tamanha miséria, assim como perceber que Fantine está a beira da morte, Valjean salva a mulher das ruas e lhe promete que cuidará da menina.



Ocorre que o ex-prisioneiro é obrigado a dedicar sua vida a fugir do seu inimigo, o inspetor obcecado em prendê-lo novamente. Simultaneamente à história de Valjean, Victor Hugo retratou a França insurgente, com Marius (Eddie Redmayne), de família nobre, mas que toma um caminho ideológico oposto. E a trama se desenvolve na França das barricadas de 1932, com Valjean enfrentando sua sina, Javert; Marius, lutando pela revolução e, simultaneamente, buscando reencontrar Corsette, por quem se apaixona perdidamente; o motim de 1932 e as trágicas e fatais barricadas da Rua Saint-Denis, dentre diversos outros personagens e enredos secundários que engrandecem a obra, como o de Éponine (Samantha Barks) e o do casal Thenardier (Sasha Baron Cohen e Helena Bohan Carter).

O filme traz Hugh Jackman (X-Men) em, com toda certeza, sua melhor atuação, digna de premiação. Também, Anne Hathaway (O Diabo veste Prada) surpreendendo como Fantine, conseguindo transparecer todo o sofrimento e miséria que cabe à personagem. Destaque para I Dream a dream, momento marcante da trama, com sua interpretação que nada deixa a desejar. Mas vale, ainda, falar que Russel Crowe (Uma mente brilhante) decepciona, e muito!, em todo o filme, desde ao cantar com sua voz nada preparada pra um musical desse porte, quanto à total falta de expressão e empatia com os demais personagens. Ah, e pra dar um toque de comédia, vemos os explêndidos Sasha Baron Cohen e Helena Bohan Carter, como o casal Thenardier, esbanjando afinidade e excelentes interpretações.



























Mas não posso deixar de alertar os futuros expectadores: o diretor pesou a mão no musical. É, esse gênero não é pra qualquer um. E longe de duvidar da competência de Hooper, mas, em vários momentos, a trama fica cansativa, devido a cenas cantadas, notadamente desnecessárias (digamos que 99% do filme foi musicado). E penso que isso fez o efeito contrário pretendido pelo diretor, que se utilizou de um elenco notável e hollywoodiano, o que atrairia um público vasto para conferir tamanho épico, afastou parte do seu público, tornando-se um filme voltado, no geral, a quem realmente gosta do gênero e/ou da obra literária.

Esse foi um filme que realmente dividiu opiniões, mas que, apesar de algumas escolhas erradas, possui cenas belíssimas, atuações impecáveis, canções emocionantes, assim como traz às novas gerações uma história fascinante, dotada de teor político e ideológico (pouco explorados na nova adaptação infelizmente) que sobreviveu a séculos e foi eternizada.

O filme foi indicado ao Oscar nas categorias Melhor Filme, Melhor Atriz Coadjuvante (Anne Hathaway), Melhor Ator Principal (Hugh Jackman), Melhor Som, Melhor Maquiagem, Melhor Direção de Arte, Melhor Figurino e Melhor Roteiro Original.

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